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Leandro Guilheiro, um matemático no tatame

O que tem a ver matemática com judô? Para o medalhista olímpico Leandro Guilheiro, tudo! Dono de uma mente irrequieta, ele acabou encontrando no estudo da matemática algumas respostas para o esporte que pratica há 30 anos. Ao analisar probabilidades e padrões – enquanto assistia a lutas de vários atletas –, Guilheiro começou a enxergar o judô por uma perspectiva diferente e que veio ao encontro de seu processo de reinvenção como judoca.

“Tenho pensado o judô muito por esse ponto de vista [da probabilidade], como eu me exponho mais à chance de sucesso numa luta, como me torno mais forte. Encontrei esses padrões e comecei a adaptá-los ao meu jogo. Começaram a surgir novas coisas para mim e eu tenho treinado pensando nisso. Comecei a ver o que é essencial numa luta de judô, o que é essencial para eu me colocar em vantagem competitiva. Esse tipo de coisa me deu um novo prisma”, explica ele, em conversa exclusiva com o Olimpitacos.

“É complicado afirmar categoricamente, mas eu acho que ajudou, sim, principalmente a organizar um pouco mais o pensamento em relação ao que não está dando certo e o que tenho de olhar. Acho que tenho uma mente mais organizada hoje”, avalia o judoca, que se forma bacharel em matemática no final do ano.

Apesar da dedicação à matemática, o foco de Guilheiro continua sendo o judô. Por isso, não pergunte a ele o que pensa fazer no futuro, pois o seu futuro, pelo menos por enquanto, vai até 2020, nos Jogos de Tóquio. Mais do que um sonho, esta é a meta do medalhista de bronze em Atenas-2004 e Pequim-2008. “Estou no processo para classificar para a Olimpíada. Existem coisas na vida que você precisa ter o plano A, B, C e D, para outras precisa ter apenas o plano A, porque se você tiver o plano B, é muito sedutor partir para o B na primeira dificuldade que tiver no A. Nesse meu projeto tem de ter plano A apenas, porque dói fisicamente, dói mentalmente, há muito mais decepção do que sucesso, então, é plano A, é como se tivesse só isso. É tipo escalar o Everest, ou vai ou morre no caminho, não tem outra história”, afirma o atleta, que sofreu com repetidas lesões ao longo da carreira.

Para realizar seu plano A, Leandro precisa participar de competições ao longo do ano que contam pontos para o ranking mundial – sua passagem para Tóquio-2020 – e acaba bancando do próprio bolso essas viagens. Mesmo com um currículo invejável, o atleta não acha injusto que a Confederação Brasileira de Judô (CBJ) não arque com tais custos e vê isso mais como um investimento nele mesmo. “Como o recurso está escasso e junto a isso tem a própria política da confederação que está procurando fomentar os mais novos, acho que é válido eu me bancar. O que eu preciso é ter a chance de lutar.”

No Equador, o reencontro
E uma dessas competições bancadas pelo atleta foi o Open de Quito, no Equador, onde faturou o bronze, em meados de junho. No entanto, mais do que a medalha, a competição proporcionou a Leandro o reencontro com situações corriqueiras na vida de um judoca talentoso e técnico como ele, mas que há mais de um ano não experimentava.

“É impressionante como você esquece e começa a flertar com algo muito perigoso que é o hábito de perder, e isso é péssimo. Ano passado eu perdi todas as competições nacionais que lutei. Então, a questão de Quito foi mais do que a medalha. Ao ganhar uma medalha você quebra uma barreira, traz sentimentos bons, você lembra o que é subir ao pódio, o que é ganhar”, conta Guilheiro.

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“Saí satisfeito, senti que evoluí. Então, por mais que algumas pessoas julguem que a medalha é nada, baseado na minha história, baseado no que eu preciso hoje para ir à Olimpíada, ela talvez tenha sido um passo importante para a minha evolução. Tive sensações, percepções, que há muito tempo não tinha. Encontrei um caminho que eu posso trilhar”, emenda.

Dores, lesões e o desconforto necessário
Além dos dois bronzes olímpicos, ouros em Pan-Americano e Grand Slam e tantos outros resultados relevantes, o currículo de Leandro ainda inclui inúmeras lesões e nada menos do que 12 cirurgias – pelas contas do judoca, foram cinco anos da carreira perdidos por causa das contusões, mais do que um ciclo olímpico. Mas engana-se quem pensa que a dor é uma companheira indesejada, para ele talvez seja um caminho necessário no processo de se reinventar e conquistar a difícil vaga para disputar sua quarta Olimpíada.

“Tenho refletido bastante sobre a dor. Fui criado em um ambiente de treino de muito sofrimento físico, de superação. Talvez o desconforto, o sofrimento, seja o que está faltando um pouquinho em mim atualmente para atingir novos níveis. Tenho buscado isso de me colocar em situações de desconforto no próprio treino. Óbvio que não vou ficar me machucando de propósito para ter o desconforto, mas a dor faz parte dessa superação”, comenta.

Em Quito, Guilheiro também pôde por à prova seu poder de ultrapassar limites e disposição para se colocar em uma situação desconfortável. Com dores nas costas, precisou decidir se voltaria ao tatame para disputar o bronze de um torneio que não é um dos mais importantes do calendário ou se iria se poupar. “Procurei prestar muita atenção nos meus processos mentais durante a competição. Dei uma sentida nas costas na semifinal, e doeu bastante, aí me veio à cabeça o seguinte: ‘em termos de pontos, de ranking, vai me valer pouco se eu lutar essa disputa de terceiro, aí pensei, acho que eu não vou entrar, porque estou com muita dor’. Foi o momento que eu rebati e disse ‘não, eu estou com dor, tô travado, eu sei que vou pagar a conta disso durante a semana, mas eu preciso fazer isso, eu preciso superar’”, relembra.

“Se você pegar as três Olimpíadas que eu lutei, as duas em que ganhei medalha eu estava muito machucado, tanto que voltei já fazendo cirurgia. E a Olimpíada em que eu estava inteiro foi a que não aconteceu. Dentro dessas lesões, desse sofrimento, dentro das derrotas, é quando eu emergia também, eu surgia, me superava, voltava para mim e subia um degrau. Eu acho que é justamente no sofrimento que eu consigo dar um passo a mais… Acho que é no desconforto que a gente cresce”, analisa o atleta.

Londres-2012, “a Olimpíada que não aconteceu”
Quando pisou em solo britânico para disputar a Olimpíada de Londres-2012, a terceira da carreira, Guilheiro era o líder do ranking mundial em sua categoria (até 81kg), vinha de bons resultados em 2011 e havia subido ao pódio nas duas edições anteriores dos Jogos (Atenas-2004 e Pequim-2008). No entanto, o que nem mesmo ele conseguiu identificar à época é o quanto problemas pessoais estavam presentes no tatame.

“No ano anterior a Londres, eu me sentia muito cansado, sem energia, mas chegava lá e tinha resultado. Eu tentei resolver as coisas, mas eu via muito do ponto de vista técnico, físico. Quando cheguei a Sheffield para a aclimatação, eu senti que estava treinado, com o corpo rápido, forte, mas era como se não tivesse conexão entre a minha alma e o meu corpo”, lembra ele. “Do ponto de vista físico, técnico, estava legal, só que estava acontecendo tanta coisa, com tanto problema na minha vida pessoal que aquilo estava me afetando havia um ano já. Mas eu não tinha maturidade para entender que estava pesado para mim. E Olimpíada é uma competição que as pessoas que disputam medalha, que ganham medalha, estão muito bem naquele dia, estão um ponto acima, e se você não estiver redondinho a coisa não vai andar”, revela Guilheiro.

Leandro Guilheiro durante luta na Olimpíada de Londres-2012

Mesmo não sentindo o peso do favoritismo, Leandro admite que, além das questões pessoais, fatores da competição contribuíram para ele ficar em 7º lugar na Olimpíada. Ter chegado a Londres como líder do ranking o colocou na mira direta de seus concorrentes. “Nunca me incomodou ser favorito. Eu estava visado, também pelos resultados que tive ao longo do ciclo, e aí fui cruzando com caras que eu já havia vencido. E é muito perigoso lutar com quem você já ganhou, porque você tende a lutar igual e o cara tende a lutar diferente. Então, é uma surpresa, você não sabe exatamente o que esperar”, diz ele. “Londres acabou sendo para mim um baita aprendizado, de ser um pouco mais atento comigo, com os processos interiores, de como isso afeta, de ter um pouco mais de atenção nesse sentido. É coisa da imaturidade, não tinha comparação. Para mim, era tudo do ponto de vista técnico, físico. Eu aprendi assim. Tanto que hoje sou muito cauteloso com todos esses processos.”

Velho é o c…
Se com a maturidade vem o entendimento de muitas questões, chegar aos 35 anos também pode ser um momento crítico na carreira de muitos atletas. E para alguém que nunca deu muita importância às opiniões alheias, Leandro se surpreendeu ao perceber o quanto os questionamentos sobre a sua idade e a hora de parar o estavam afetando. “Eu nunca liguei muito para o que as pessoas acham ou deixam de achar, por isso me surpreendeu esse lance da idade. Falei ‘cara, como pode eu estar dando ouvido a isso?’”, pergunta.

“Na verdade, as únicas vezes que eu questionei se deveria continuar ou não foi nesse ciclo olímpico de agora, toda essa situação que estou passando. A gente vive num paradigma do lance da idade para o atleta, e fica muito difícil combater quando se está imerso num ambiente”, fala.

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O divisor de águas aconteceu durante três semanas de treinamento no Japão, no ano passado. “Nunca treinei tão bem na minha vida, nunca me senti tão bem fisicamente, não fiz nenhuma sessão de fisioterapia nesse período. Para mim foi ‘eu tô muito melhor do que estava com 25 anos’. E há dados objetivos sobre isso, os pesos que eu levanto hoje são superiores aos que eu levantava cinco, seis anos atrás. Meu ritmo de treino é mais intenso talvez que o da maioria da molecada. Então eu falei, ‘o meu problema não é esse. Eu tenho que parar no momento que eu achar que devo. Quem são essas pessoas para me limitar?’”

E mesmo aos 35 é a antiga paixão de um garotinho pelo esporte que ainda move Guilheiro em direção ao seu grande objetivo: Tóquio-2020. “É uma coisa muito pessoal essa minha busca, não é para provar alguma coisa. É a mesma força, e aos 6 anos você não tem muito discernimento das coisas, e é muito parecido, não tem um porquê, é algo meu, que nasceu comigo. Eu só sei que eu tenho que fazer, e quando eu não faço me incomoda. Óbvio que vai chegar o momento que isso vai terminar, mas eu sei que preciso fazer da melhor forma possível, e vou ter de me dedicar ao máximo. E lá em 2016, quando eu decidi que ia continuar, eu falei ‘eu vou pagar o preço necessário para lutar o melhor judô da minha vida e tenho feito isso’”, finaliza Leandro.

Gisèle de Oliveira

Jornalista apaixonada por esportes desde sempre, foi correspondente internacional do “Diário Lance!” na Austrália, quando cobriu os preparativos para os Jogos Olímpicos de Sydney-2000, e editora do jornal no Rio de Janeiro, trabalhou na “Gazeta Esportiva” e foi colaboradora de especiais da revista “Placar”, entre outras experiências fora do universo esportivo. Mineira de nascimento, paulistana de coração, é torcedora inabalável de Rafael Nadal, Michael Phelps, Messi e Rafaela Silva. Adora tênis, natação, judô, vôlei, hipismo e curling (sim, é verdade). Sagitariana e são-paulina teimosa, agradece por ter visto a Seleção de futebol de 82 de Telê, o São Paulo também do mestre Telê, o Barcelona de Guardiola e a Seleção de vôlei de Bernardinho em seu auge. Ah, chora em conquistas esportivas, e não apenas de brasileiros.

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